Sexta-feira, 18 de Outubro de 2024

ARTIGOS Terça-feira, 15 de Outubro de 2024, 08:46 - A | A

Terça-feira, 15 de Outubro de 2024, 08h:46 - A | A

Flávio Fêo

Sobre o amor – philia

Qualquer um pode se apaixonar, poucos conseguem amar. Enquanto a paixão é descontrole, arrebatamento, o amor também pode ser uma virtude, uma ação. Há quem pretenda distinguir o amor, pensado como um sentimento estável, da instabilidade da paixão. Mas a verdade é que a paixão é uma forma de amar entre outras.

Falamos outro dia sobre Eros o amor desejo, o amor paixão. A ideia do amor como falta, como incompletude. Que, nesta vida, enquanto há vida, nunca termina, trocando continuamente de objeto, por estar sempre insatisfeito, o que o torna o mais dolorido de todos os amores. Eros, é o amor como o vê Platão, fundamentado na falta, na ausência do que se ama e na permanente ânsia de possuí-lo. Felizmente podemos ler em Aristóteles, na Ética a Nicômaco, aquele que foi o mais famoso discípulo de Platão, uma outra ideia de amor. Em oposição à falta (eros) a presença (philia). Vamos explicar isso direito.

Primeiro, constata-se facilmente que viver de sonhos é muito mais fácil que enfrentar a realidade. Assim como também é mais fácil desejar do que aceitar o que não se pode mudar. Por isso, apaixonar-se é fácil.

De fato, não se faz nenhuma força, simplesmente nos tomamos apaixonados.
Difícil é a vida de casados, de namorados, o dia a dia, a vida real. Ainda bem que nem tudo é falta, ainda bem que a paixão não dura. Esse amor suicida... Mas vamos lá! Se o desejo é fugaz então o amor é uma farsa? Uma ilusão? Quem sabe Eros seja um brincalhão nos atingindo vez por outra com sua flecha. Quem sabe... O que sabemos é que pra enfrentar o dia a dia, precisamos de alguma atitude, seja pra se levantar pela manhã, mesmo quando se ama o que se faz, seja pra ter uma conversa desagradável com a pessoa amada. Pois diferentemente da paixão (eros), o amor (philia) é ato. Não um estado transitório de dias, semanas ou meses de ilusão ou desilusão, mas atitude que precisa renovar-se dia a dia com alguma coragem, mesmo quando ela parece nos faltar.

Colocados estes contrapontos, deixadas de lado estas inseguranças de todos nós, o que é que nos sobra? Não encontramos em algum lugar que seja, aquilo que apesar das vicissitudes da vida, de algum modo ainda nos traz alegria? Ainda que nossos desejos nos decepcionem, não estávamos outro dia às gargalhadas, bebendo com os amigos e contando a eles mais do que contaríamos sóbrios? Não somos nós que amamos o que fazemos? Seja nosso emprego, seja um hobby? Que amamos cada um dos nossos filhos? Que amamos nossos pais, tios e avós?

De todas essas relações colhemos o principal dos afetos do amor, aliás, o próprio amor, quando se dá pela alegria, pela presença e não mais pela falta. Não que não haja oscilação. Sim, a vida oscila, e vez por outra sentimos tristeza. Como diz aquela música (Lá se vão os dias): “Eu te amo, mas não todo dia.” Esse é um amor que ainda que não seja religioso é sagrado, porque permanecerá pra além do corpo, pra além da vida. Seja um pai, um filho, um avô, um homem ou uma mulher. Todavia, um amor que precisará de cuidado, mais do que desejo, precisará de presença, contínua.

A propósito, o amor de que fala Aristóteles, philia, pode ser traduzido justamente como amizade. E não será o caso aqui de afirmar Aristóteles para negar Platão. Veja-se que tanto mais feliz será um casal que pra além da paixão encontrar a amizade. A paixão é um vai e vem. A amizade é o que permanece. Sorte de quem tiver os dois, ainda que não todo dia.

Flávio Fêo
Possui Graduação em Filosofia Centro Universitário Assunção (1998); especialização em Filosofia e Psicanálise pela UNIOESTE (2002) e Mestrado em Filosofia pela Pontificia Universidade Católica do Paraná (2006). Doutorado en Filosofia pela Pontificia Universidade Católica do Paraná (2018). Tem experiência na área de Filosofia, com ênfase em Filosofia Contemporânea. Termas de maior interesse: Critica da Modernidade; Problemas de Método e História da Filosofia; Articulações entre Historia e Filosofia; Ética e tecnologias do eu. Pensadores de maior interesse: Nietzsche, Heidegger e Michel Foucault.