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CIDADES Quinta-feira, 08 de Março de 2018, 14:08 - A | A

Quinta-feira, 08 de Março de 2018, 14h:08 - A | A

ESPECIAL MULHERES

Mulher que teve mãos decepadas pelo marido fala sobre o trauma

Karollen Nadeska, da Redação

Mais uma vez o cenário de violência contra as mulheres é assustador. Dados apurados pela Secretaria de Estado Segurança Pública (Sesp-MT) mostram que somente este ano 21 mulheres foram mortas em Mato Grosso, 5 desses homicídios cometidos dentro de Cuiabá e Várzea Grande (região metropolitana).

 

O Bom da Notícia

Rosana Leite

Defensora Rosana Leite


Considerando esse mapa alarmante em que na maioria das vezes as vítimas do sexo feminino são covardemente assassinadas pelos seus ex-maridos ou pessoas de laços afetivos, na semana em que se comemora o Dia Internacional da Mulher, em 8 de março, o Tribunal de Justiça do Estado (TJMT) organizou na Arena Pantanal, na capital, um mutirão de ações preventivas e punitivas, cujo objetivo principal é reduzir os índices de violência que sondam o estado e o país. O evento segue até sexta-feira (09).


Unindo forças a esta campanha com o projeto “Paz em Casa”, a defensora pública Rosana Leite Antunes de Barros, que atua também como coordenadora do Núcleo de Defesa da Mulher e é conselheira no Conselho Estadual de Defesa da Mulher, explica que crimes como o “feminicídio” ou da mesma natureza podem ser evitados.


“A mulher que sofre com relacionamento abusivo, ela pode ter uma morte iniciada. É justamente por isso que os feminicídios são crimes que podem ser evitados. O trabalho do Poder Público juntamente com os cuidados que a mulher tem que ter também, pode evitar um ataque maior contra a integridade física que pode resultar numa agressão grave, como o caso da Maria da Penha ou no Feminicídio”, alerta.


Segundo a defensora, no Artigo 8° da Lei 11.340 são citadas algumas medidas que poderiam modificar, por exemplo, a “cultura da violência”.


“O Artigo 8° da Lei Maria da Penha traz algumas políticas públicas importantes de atuação do Poder Público e principalmente do Poder Executivo. Por exemplo, a capacitação permanente das polícias, a inclusão nos currículos escolares da não violência contra a mulher. São ações que a longo prazo poderiam modificar a violência contra a mulher em Mato Grosso, porque hoje nós somos o terceiro estado que comete mais feminicídio”, informa.


De acordo com a Sesp, comparado à 2018, em 2017 Mato Grosso registrou quase 100 casos de violência contra a mulher. Desse total, média de 41 ocorreram em residências particulares, possivelmente com a presença de membros da família. Entretanto, a assessoria de imprensa disse que não foi é possível saber se os crimes foram efetuados na frente dos filhos.


Conforme Rosana Leite, a exemplo do feminicídio que é um dos delitos mais graves contra a integridade física, justamente por causa do gênero, o relacionamento abusivo tende a deixar a mulher dentro de um ciclo de violência. O que chama a atenção é que muitas dessas mulheres, mesmo depois de passar por momentos de terror e viver esse drama, acabam voltando para seus agressores.

 

“O ciclo de violência ele é atribuído a tensão, explosão e a lua de mel. Tensão é aquela situação onde o marido e a mulher mal conseguem conversar dentro de casa e um já está ofendendo ao outro com palavras. Depois da tensão rapidamente parte para explosão, onde ocorre empurrões, lesões corporais, onde sempre a mulher vai sair perdendo porque o corpo dá mulher é biologicamente diferente do homem. Quando o casal consegue sair da explosão vem para lua de mel, onde há pedidos de desculpas”, contextualiza.

 

Há casos de vítima que “já lavraram boletim mais de cinco vezes e retornam para os agressores, porque elas entendem naquele momento que eles não irão mais praticar violência contra elas”, conta.


Outro fator característico da mulher vítima, são os motivos que sentenciam a retomada da relação, exemplo da dependência financeira.


Questionada, a coordenadora do Núcleo de Defesa do Estado, destaca que em suas minúcias a Lei Maria da Penha garante à vítima ainda no ato do boletim de ocorrência, o direito de solicitar os “alimentos provisórios” para que ela não fique desamparada, em relação a renda da família.


“A mulher quando lavra um boletim de ocorrência pode pedir várias medidas, tanto física criminal dentro da medida protetiva de urgência logo no início, dentro da delegacia e a defensoria pública também faz essa ampliação”, informa.


E complementa sobre o fato de grande parte delas se consideraram incapacitadas para buscar a própria independência financeira. “Muitas mulheres foram impedidas principalmente por seus companheiros e maridos de se capacitar com o mundo do trabalho, muitas vezes por ciúmes, por outras situações. Então muitas delas se acomodam com a situação do relacionamento amoroso”.


Apesar de ser brasileira e pioneira, baseada na vida de uma sobrevivente com sequelas físicas causadas pelo ex-marido, a Lei Maria da Penha ainda é desconhecida por algumas pessoas na sua integralidade.


“Foi feito uma pesquisa em que 98% da sociedade brasileira conhece a Lei Maria da Penha ou já ouviu falar, então é uma das leis mais conhecidas do Brasil. Entretanto as minúcias da lei, os direitos das mulheres dentro da lei ainda são desconhecidos por algumas”, lembra.


Cultura do Machismo


O juiz de Direito, Jamilson Haddad Campos, da 1ª Vara Especializada da de Violência Doméstica e Familiar de Cuiabá, que atua em casos diversos envolvendo relações afetivas, destaca que em pleno século XXI as mulheres ainda são tratadas com menosprezo e desvalorização.

Divulgação

juiz Jamilson

Juiz Jamilson Haddad


“Vivemos num país onde é o 5° mais violento do mundo em crimes contra as mulheres e em uma cultura patriarcal, machista. Então, as pessoas por vezes estão inseridas nessa cultura onde os valores que lhe são passados como se o homem tivesse a possibilidade de privilégios em relação a própria dignidade da mulher, como se ela fosse um objeto do homem”, disse.


Todavia, o magistrado ressalta que após inúmeros assassinatos cometidos em um período de 10 anos, as Organizações das Nações Unidas (ONU) propôs a iniciativa de criar uma legislação especial em defesa das mulheres.


“A ONU que recomendou ao Brasil, porque de 2000 e 2010 66 mil mulheres morreram assassinadas. Então recomendou para que fossem criadas as legislações protetivas das mulheres e assim surgiu a Lei 11.340 de 2006, conhecida como Lei Maria da Penha”, informou.


Em sua experiência, o juiz cita que “hoje nós não temos mais classe social, como sendo pobre, médio ou rico, que seja objeto de maior ou menor incidência de crimes ou que seja classe exclusiva para violência doméstica, na verdade, afeta qualquer classe social hoje em dia”.


De acordo com os números enviados pela Secretaria de Segurança Pública (Sesp-MT), dos homicídios ocorridos no período de janeiro a 25 de fevereiro de 2018, grande parte centralizados nas duas maiores metrópoles, sendo cometidos dentro de casa, 03 em via pública, 02 em propriedade rural e 02 em outros lugares. E ainda somam as motivações, 13 crimes passionais, 02 casos relacionados ao envolvimento de drogas e 01 que ainda está sendo apurado.


Para Jamilson Haddad, nada justifica a violência. No entanto, é preciso que as autoridades responsáveis façam uma análise profunda sobre o comportamento humano, considerando que a sociedade enfrenta um ano de crise e consequentemente é atingida por seus efeitos.


“Nós vivemos em um ano de crise no país onde as pessoas andam depressivas, com desemprego alto e o desemprego geralmente leva ao consumo do álcool, as drogas. Há uma tensão social, onde as crianças presenciam os pais agredindo as esposas e eles crescem achando que esses comportamentos sejam naturais, vão repetir os padrões dos pais”, destaca sobre a realidade.


Para a Semana da Mulher, O Poder Judiciário em parceria com a Prefeitura Municipal de Cuiabá organizou uma palestra para debater sobre o tema “Violência Doméstica com ênfase no olhar sistêmico e Medidas Protetivas”.


“Estarmos falando sobre violência domesticas para os servidores de Cuiabá é um avanço, no sentido de que a lei traz de que a União, Estados e Municípios deem efetividade à lei e, também à Constituição que fala do princípio da igualdade e dos diretos fundamentais”, disse Haddad.


Caso brutal


Há cerca de um ano, a ex-diarista Geisiane Buriola da Silva, de 32 anos, teve suas duas mãos decepadas através de um golpe de facão aplicado pelo ex-marido. O caso repercutiu em todo o Estado e gerou revolta na sociedade.


Na época, Geisiane chegou a ser internada na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) do Hospital Municipal São Benedito e posteriormente permaneceu internada por meses na capital, até ganhar alta. Ela, que é de Campo Novo do Parecis (396 Km a Noroeste) enfrentou sofrimento físico/emocional, relatou que continua traumatizada e que o agressor tentou matá-la por ciúmes.


“Eu me lembro como tudo aconteceu. Estávamos em casa bebendo, tranquilo, não houve discussão e nem briga. Aí, do nada ele me atacou. Ele fala que eu estava traindo ele, mas na verdade nunca trai ele”, relata.

 

O Bom da Notícia

Geisiane agressão

Geisiane teve as mãos decepadas


Em depoimento chocante, Geisiane ainda diz que mesmo tendo sofridos agressões corriqueiras do ex-marido, não imaginava tamanha crueldade. “Há semanas ele vinha amolando o facão, mas eu não imaginava que ele pudesse fazer isso comigo. Apesar dele ter me batido por várias vezes, não imaginava”, lamenta.


Em meio a situação de medo e angústia, ela teme que o criminoso saia da cadeia e conclua o seu plano de vingança. “Eu pedi medidas protetivas, só que não adianta porque ele faz de qualquer jeito. Mesmo com ele preso ainda ficou me ameaçando através de terceiros. Para mim, a qualquer momento ele pode chegar aqui e fazer qualquer coisa comigo”, disse.


Sobre isto, o juiz , Jamilson Haddad Campos, da Vara da Família, explicou que não há como garantir uma segurança mais reforçada nesses casos e que ameaças frequentes devem ser comunicadas nas delegacias ou por meio de denúncia no Ministério Público.


“Não tem como o Judiciário ou o Poder Executivo colocar um policial para cada vítima de violência doméstica. Com uma população de mais de 3 milhões de habitantes, é humanamente impossível. No estado, elas podem e devem ir nos Ministérios Públicos ou nas delegacias e registrar esta ocorrência, mesmo estando preso ele [agressor] está proferindo ameaças”, informou.


Ainda em fase de recuperação, a ex-diarista conta que devido as suas limitações físicas não pode mais trabalhar e sobrevive com uma renda de R$ 937,00, de sua aposentadoria. Com ela moram, os pais, a filha e o irmão mais novo.


“Estou me virando como posso e o que mais me incomoda é a falta de ar, porque eu tive que colocar a traqueotomia. Ainda não cicatrizou muito bem a parte onde as minhas mãos foram arrancadas. Estou tentando me adaptar e até consigo fazer alguma coisa, mas é pouco”, explica.


Ao final da entrevista, ela pede ajuda e doações para se recompor da tragédia e a possibilidade de conseguir uma prótese no lugar das mãos.


“Estou bem graças a Deus, mas em uma luta, porque é só ele [Deus] para dar forças para continuar. Se puderem me ajudar também eu agradeço muito. A minha família me ajuda, mas ainda é pouco para sobrevivermos”.


Como ajudar


Telefone: (65) 99959-5566.


Conta para depósito em nome de Maria Regina Buriola (mãe de Geisiane)
Banco Bradesco
Agência: 2558-5
Conta corrente: 1002701-2