Em meio ao caos pandêmico, a escritora e poeta Luciene Carvalho, 55 anos, membro da Academia Mato-grossense de Letras, escreveu sua mais nova obra, Na Pele. O livro foi lançado no dia 26 de dezembro em um formato inédito exibido na TV Assembleia. Foi o 25º programa do projeto, com objetivo de oferecer atrações culturais para a plateia isolada em casa e garantir socorro financeiro aos artistas.
O livro conta as mudanças nos dias de confinamento da autora poetisa, seus fluxos e percursos. “O livro relata uma vivência, a rota da melanina. Ele fala das neuroses residuadas da condição de negro, fala sobre os inúmeros aspectos do estar negro hoje no Brasil”, conta.
O livro relata uma vivência, a rota da melanina. Ele fala das neuroses residuadas da condição de negro, fala sobre os inúmeros aspectos do estar negro hoje no Brasil
Voltando de um evento literário de grande porte em Tangará da Serra, Luciene refletiu sobre a pandemia e, entendeu que em todo lugar onde a escravidão residiu em preconceito, permanentemente, a vida negra sofreu e vai continuar sofrendo de diferentes formas, seja de fome, desemprego, menos valia, opressão, morte ou ausência de registro dessas mortes. E, infelizmente, negros morrem diariamente, apenas por serem negros.
Através deste pensamento, Carvalho compreendeu que precisava escrever sobre algo essencial e, óbvia, se tratando dela, que era sobre ser negra. Para além da pandemia, o caso de George Floyd, nos Estados Unidos a fez reunir forças com seu marido Mano Raul, e sua afilhada, Rapper Azul, para criarem um “Quilombo de Quintal”, como chamaram, para se protegerem do vírus, pois sabiam que as vidas pretas seriam mais vulneráveis do que nunca.
“A gente se aquilombou urbanamente aqui, criamos área de desinfecção e, queríamos defender as vidas pretas, não só do vírus, mas da validade que esse país demonstra desrespeito com vidas negras. Nós nos organizamos para nos tolerar, tivemos uma rotina, criamos procedimentos para entrada, banhos, desinfecção, estocar álcool em gel, para estocagem de comida para nos permitir sair minimamente”, disse.
Durante a entrevista ao Bom da Vida, a poetisa recitou um verso que possui ligação com a mensagem que seu livro quer passar para as pessoas: “eu tenho cansaço dessa luta em que um lado sente dor e o outro não escuta.” Depois, ela afirmou que é impossível um banco sentir a dimensão da dor social que o preto vive. Mas, apesar disso, o livro não é auto piedoso, possui uma perspectiva voltada para a discussão das neuroses da trajetória da melanina até a sua geração.
“São questões que precisam ser equacionadas e ter voz. Eu acho que é papel do poeta formar uma voz poética do humano em que ele está, existe. E eu discuto racismo reverso, lugar da mulher negra, bunda negra, intelectualidade negra, a questão da língua portuguesa e da ausência, hoje, total da relação do preto com cultura, com raízes e com memória”, relata.
A escritora ainda afirma que seu livro não é fácil, não pede aprovação, mas é um livro quase constatatório, só não é porque é uma poesia. E poesia tem uma força própria, uma maneira própria de lidar com as palavras.
Após refletir, Luciene se espanta por ter demorado 55 anos para escrever este livro, no entanto, em seu interior ela sabe que falar de ser negra é a coisa mais dolorosa e infame de sua história, porque por mais que tente esquecer ou fingir que não dói, é uma mancha dolorosa que o país não quer resolver.
Saiba mais
No site www.carliniecaniato.com.br ou entrar em contato com Raul (65) 9 96353486.