Em entrevista ao Dragpod do site o Bom da Notícia esta semana, a advogada e vice-presidenta da Comissão da Diversidade Sexual da OAB-MT, Daniela Veiga - primeira advogada Trans de Mato Grosso -, disse que o projeto de lei que quer proibir a união civil de pessoas do mesmo sexo no Brasil, já nasce inconstitucional.
“Quando a gente fala desse projeto que está tramitando, a gente precisa olhar o todo, assim, o que ela vai atingir se for aprovado, mesmo que sob o ponto de vista da inconstitucionalidade. Mas, ainda assim, caso seja aprovado ele vai ferir 37 direitos que já foram adquiridos ao longo dos anos quando em 2011, o Supremo Tribunal Federal entendeu como legal o casamento homoafetivos, ao garantir união estável igual aos casais heterossexuais”, disse.
Vale lembrar que a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão, órgão do Ministério Público Federal (MPF), pediu a rejeição e o arquivamento do projeto de lei que quer proibir a união civil de pessoas do mesmo sexo no Brasil. De acordo com a procuradoria, além de inconstitucional, a proposta afronta princípios internacionais e representa retrocesso no que diz respeito aos direitos e garantias fundamentais das pessoas LGBTQIA+.
Para a advogada a aprovação da proposta que está tramitando na Câmara Federal pode trazer - em nível de proteção jurídica -, ainda mais desigualdade para a comunidade LGBT.
“Antes de 2011, antes do STF reconhecer a união homoafetiva como núcleo familiar você via casais que estavam juntos há longos anos, que construiram uma vida juntos, quando um deles chegar a falecer, vinha a família que nunca apoiou a relação, aliás, que sempre foi contra esse relacionamento, ficar com a herança e aquele que ajudou a construir tudo ficava sem nada. Havia ainda situações como o impedimento da visita do companheiro quando uma das partes estava muito doente. Ou seja, o companheiro estava, por exemplo, na UTI, e esta pessoa não poderia realizar a visita por não ser considerado da família, ou familiar próximo. Ou ainda não ia ter benefício de pensão por morte, não ter a inclusão no INSS, no plano de saúde".
De autoria do ex-deputado Capitão Assumção (ES), o Projeto de Lei 5167/09 proíbe que relações entre pessoas do mesmo sexo equiparem-se ao casamento ou a entidade familiar. O texto tramita apensado ao Projeto de Lei 580/07, do ex-deputado Clodovil Hernandes (SP), que, em sentido contrário, inclui no Código Civil a possibilidade de que duas pessoas do mesmo sexo possam constituir união homoafetiva.
O parecer do relator na Comissão de Previdência, deputado Pastor Eurico (PL-PE), é pela rejeição do projeto do ex-deputado Clodovil e pela aprovação do projeto do ex-deputado Capitão Assumção.
Histórico
Em 2011, o Supremo Tribunal Federal (STF) equiparou as relações entre pessoas do mesmo sexo às uniões estáveis entre homens e mulheres, reconhecendo, assim, a união homoafetiva como núcleo familiar. A decisão foi tomada no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade 4277 e da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 132.
Além disso, o STF entendeu que não há na Constituição um conceito fechado ou reducionista de família, nem qualquer formalidade exigida para que ela seja considerada como tal. Em 2013, o Conselho Nacional da Justiça (CNJ) determinou que todos os cartórios do país realizassem os casamentos homoafetivos.
O texto em discussão na Câmara dos Deputados, de relatoria do deputado Pastor Eurico (PL-PE), pretende incluir no Artigo 1.521 do Código Civil o seguinte trecho: “Nos termos constitucionais, nenhuma relação entre pessoas do mesmo sexo pode equiparar-se ao casamento ou a entidade familiar”.
Atualmente, o Artigo 1.521 enumera os casos em que o casamento não é permitido, como nos casos de união entre pais e filhos ou entre pessoas já casadas.
Na justificativa, o relator afirma que o casamento “representa uma realidade objetiva e atemporal, que tem como ponto de partida e finalidade a procriação, o que exclui a união entre pessoas do mesmo sexo”.
Sobre Daniella
Em setembro de 2022, a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil -MT) inseriu em seus quadros Daniella Veyga, de 29 anos, como a primeira trans em seu quadro de profissionais. Na época, ao comemorar o fato, a advogada destacou a dificuldade de ingressar na carreira jurídica. E, hoje, é vice-presidenta da Comissão da Diversidade Sexual na Ordem.
Entrevista na íntegra