Da rede branca pendurada em minha varanda, observo o mundo que me rodeia enquanto permaneço na caixa do nada que possa explicar quem sou.
Na gemente rede branca, experimento a sensação da trama dos fios em partes da minha pele enquanto balanço para lá e para cá, e penso em saudades: a que fere dois mundos, a que não tem tradução, aquela de mim!
Setembro está chegando ao fim!
Podemos preparar nossos lacinhos amarelos para trocar pelos cor de rosa, e toda a dor que um dia ousou ocupar a nossa alma estará extirpada!
Doze meses, doze cores, pouco tempo para nos despir das camadas que vamos acumulando sobre nossos ombros cansados, entre uma cor e outra, e nos deixam completamente confusos sobre nós!
Contudo, que teoria poderia (me) explicar se precedo todas, já que sou feita de inteligência? Que algo mais, que maquiagem em meu rosto para viver um belo dia e na manhã seguinte acordar solfejando canções?
Enquanto a rede branca embala meu corpo e meus pensamentos de saudades, sinto meus pés cansados de correr atrás da minha verdadeira essência, assim como todas(os), o que é, no mínimo, ambíguo.
"Doze meses, doze cores, pouco tempo para nos despir das camadas que vamos acumulando sobre nossos ombros cansados, entre uma cor e outra, e nos deixam completamente confusos sobre nós!"
Pierre Bourdier, um sociólogo francês, nos classifica em quatro tipo de capitais: o econômico (quanto dinheiro eu tenho?); o social (meus amigos são figuras importantes?); o cultural (quantos diplomas conquistei e quanto sei de arte?); e por fim, o que nos define para a sociedade, o simbólico (pareço ter quanto dinheiro, quantos amigos importantes e me faço de culto o suficiente para estar nas altas rodas?)
O som gemente da rede branca me acompanha na conclusão de que somos feitos de aparência, carregamos símbolos, e é aí que reside a saudade de nós!
Quem verdadeiramente sou? O que meu corpo e minhas cicatrizes dizem? E as marcas do meu rosto? Quanto de história carrego nas rugas que se amoldam às minhas expressões faciais?
A saudade que reside em nós, de nós, de nós em nós, tem sua parcela de pigmento no lacinho amarelo que ostentamos nos setembros, e falamos em acolhimento, deuses, aceitação da própria vida.
O lacinho amarelo tem lá o seu valor sim! Durante um mês no ano, não podemos perder um que seja.
Da rede branca e seu som gemente me vem à tona pouquíssimos comentários sérios e esclarecedores sobre saúde mental nesse último mês, especialmente sobre transtorno bipolar e depressão, que são as doenças mentais que mais levam ao suicídio.
Sobre transtorno bipolar e no que pode culminar ninguém fala, dos tabus existentes é um dos mais respeitados. Transtorno bipolar serve para ofender, classificar, depreciar. Sobre depressão, há quem diga que é excesso de passado e futuro, outros defendem ser preguiça ou falta de Deus, e ainda, que basta um lote para carpir que passa!
Pois bem!
Sou do grupo que considera esses quadros mentais como adoecidos, onde se manifestam sintomas psicológicos e físicos e as cores perdem o brilho em razão das falhas em nossos cones e bastonetes.
Que entende que a prevenção ao suicídio não é questão de acolhimento e palavras de ânimo, é questão de intervenção médico-terapêutica, e disso pouco se fala. Também, que vai para além dos setembros, e podemos estar nessa situação, escondidos atrás das letras, porque quando se trata de doença mental, ninguém pode saber de nada, dizem!
Dos meses coloridos do ano, setembro é um dos que mais nos chama a atenção, porque trata de um desastre que não tem idade, cara, cor, classe social, e nem sempre é anunciado!
Quantas(os) de nós que na adolescência exibíamos com orgulho nossos pontos e gessos na pele rasgada e ossos quebrados e hoje camuflamos nossas almas puídas? Por quê?
Interessante como quando ocorre um suicídio todos querem estar no velório, mas pouquíssimos com a(o) suicida enquanto ele está vivo dando todos os sinais de que precisa de socorro.
Confesso que gosto também da ideia de que são males que se manifestam quando o corpo se recusa em bancar o avatar que foi criado para, simbolicamente, estarmos entre os imponentes, em nossos corpos de carne e verdades.
Nem tudo são flores, e nem tudo é ruim!
Uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa!
Ainda tem o dia de chuva, de escorregar a barriga no piso com sabão, de olhar para o lado e se ver apaixonada(o), de realizar sonhos bestas como comer neve, ver pessoas que amamos antes de existirem nascendo, a vida se moldando com a partida dos nossos grandes amores, têm os dias de celebrar, ainda que nos seja possível tão somente separar celebrações em pequenas caixas de alegria nos dias cinza. E se estivermos doentes, de mãos dadas com quem trata dessas doenças!
Que possamos ainda enxergar o tempo de nos livrar das nossas camadas de capital simbólico e fazer história. Temos um Criador, uma Mãe, um Pai para honrar.
Permaneçamos guardados por Deus, mas jamais dominados pelo vil metal.
Na rede branca me aconchego e, ainda que brevemente, me encontro graças à caixa do nada que se encheu, como podem perceber.
Setembro se vai, nós não!
Bárbara Lenza Lana, advogada especialista em advocacia sob a perspectiva de gênero, articulista, professora universitária, líder do Comitê Vozes- do Grupo Mulheres do Brasil/ Núcleo Cuiabá.