Quinta-feira, 21 de Novembro de 2024

ARTIGOS Sexta-feira, 23 de Novembro de 2018, 08:44 - A | A

Sexta-feira, 23 de Novembro de 2018, 08h:44 - A | A

Multipropriedade - Uma nova modalidade de condomínio

Miguel Zaim

O Direito se manifesta em todas as regiões do mundo e em variados grupos sociais, não importando qual seja. A evolução nesta área é constante e necessária para humanidade, ditando regras e deveres para paz social, segurança.

 

Uma dessas evoluções no direito brasileiro, é o condomínio de multipropriedade, tema recorrente que vem sendo abordado pela doutrina, costumes e jurisprudências, em razão da ausência de legislação específica. Um assunto de suma importância para o Direito Civil, especialmente o direito de propriedade, o qual é previsto na Constituição Federal.

 

O conceito de multipropriedade se dá pela caracterização de uma relação jurídica de várias pessoas sendo proprietários de um único bem, os quais, pelo contrato determinam a utilização exclusiva de cada um por certo tempo, no decorrer do ano. Para esclarecer melhor citamos um exemplo: vamos supor que 05 amigos se unem a compram uma casa em um condomínio fechado, estes amigos estabelecem entre eles uma relação jurídica de multipropriedade, determinando também qual será o período em que cada um poderá ter sua utilização exclusiva.

 

Para o autor Melhim Namem Chalhub o conceito é “caracteriza-se a multipropriedade pela atribuição da titularidade de certo bem a uma pluralidade de sujeitos para que dele tirem proveito alternadamente, em períodos determinados, como define Gustavo Tepedino: a relação jurídica de aproveitamento econômico de uma coisa móvel ou imóvel, repartida em unidades fixas de tempo, de modo que diversos titulares possam, cada qual a seu turno, utilizar-se da coisa com exclusividade e de maneira perpétua”.

 

Assim, pelo contrato é determinado a administração do bem, pagamento das despesas da unidade, possibilidade de alienação da fração, entre outros assuntos relevantes.

 

O tema em questão é bastante comum nos condomínios de resort, veraneio de praia, onde há várias casas para fruição e uma área comum pertencente a todos os condôminos, com piscinas, espaços arborizados.

 

Voltando ao assunto central do presente artigo, é relevante citar o enunciado nº 89 do Conselho da Justiça Federal, o qual descreve: “O disposto nos arts. 1.331 a 1.358 do novo Código Civil aplica-se, no que couber, aos condomínios assemelhados, tais como loteamentos fechados, multipropriedade imobiliária e clubes de campo”.

 

Bem como o seguinte julgado proferido pelo Superior Tribunal de Justiça, RESP 1546165 / SP 2014/0308206-1:

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu, por maioria, que a multipropriedade imobiliária tem natureza jurídica de direito real e, no caso de penhora do imóvel objeto de compartilhamento (time-sharing), o coproprietário pode se valer de embargos de terceiro para proteger sua fração ideal.

 

Com esse entendimento, a turma reformou decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) que havia admitido a penhora de uma casa no condomínio Praia das Caravelas, no município de Búzios (RJ). O imóvel, registrado em nome de uma incorporadora – executada em ação judicial –, é dividido em 52 cotas de propriedade no sistema time-sharing, as quais dão a seus titulares o direito de utilização em semanas específicas.

 

Após a penhora, uma das coproprietárias, titular de 2/52 do imóvel, interpôs embargos de terceiro para que fosse afastada a constrição judicial de sua fração.

 

O TJSP negou o pedido sob o fundamento de que a cessão de direitos referente aos 2/52 da casa não corresponderia a direito real de propriedade, mas a direito obrigacional, “uma vez que o imóvel foi registrado em nome da devedora, que figurou como centralizadora do contrato e organizadora da utilização periódica do bem”.

Para o tribunal paulista, no caso de multipropriedade, nada impede a penhora da totalidade do imóvel que consta no registro imobiliário em nome da devedora, a qual seria sua efetiva proprietária.

 

Direito pessoal

 

No STJ, o relator do recurso da coproprietária, ministro Villas Bôas Cueva, reconheceu que o regime da multipropriedade apresenta características de direito real e de direito obrigacional, o que dificulta seu enquadramento em uma das categorias.

 

O relator, no entanto, ao ponderar que o ordenamento jurídico brasileiro adota o princípio de que os direitos reais são apenas aqueles previstos expressamente em lei, votou no sentido de que o contrato de time-sharing “não garante direito real, mas mero direito pessoal”, razão pela qual considerou possível a penhora do imóvel sobre o qual incide a multipropriedade, como decidiu o TJSP.

 

Voto vencedor

 

O ministro João Otávio de Noronha apresentou entendimento divergente e foi acompanhado pela maioria da turma. Segundo ele, a natureza jurídica da multipropriedade imobiliária – “que detém as faculdades de uso, gozo e disposição sobre fração ideal do bem, ainda que objeto de compartilhamento pelos multiproprietários de espaço e turnos fixos de tempo” – é mais compatível com a de um direito real.

 

Além disso, assinalou o ministro, o Código Civil não traz nenhuma vedação nem faz qualquer referência à inviabilidade de se consagrarem novos direitos reais.

 

“A questão sobre ser possível ou não a criação de novo instituto de direitos reais – levando-se em conta a tipicidade e o sistema de numerus clausus (rol taxativo) –, em circunstâncias como a dos autos, nas quais se verifica a superação da legislação em vigor pelos fatos sociais, não pode inibir o julgador de, adequando sua interpretação a recentes e mutantes relações jurídicas, prestar a requerida tutela jurisdicional a que a parte interessada faz jus”, disse Noronha.

 

Deste modo, apesar de não ter legislação específica ditando o regramento, percebe-se que é de grande relevância o tema, pois as abordagens e entendimentos sobre o tema é recorrente.

 

Nesse ínterim, preocupados com as mudanças, os legisladores tanto da Câmara dos Deputados como do Senado Federal criaram projetos de lei para regulamentarem sobre o condomínio de multipropriedade, dar ensejo a segurança jurídica sobre o tema.

 

Na Câmara o projeto de lei é o número 10287/2018, o qual descreve sobre as disposições gerais, instituição, direitos e obrigações, entre outros. Recomendamos a leitura do projeto.

 

Já no Senado Federal é o projeto de lei nº 54, de 2017, este se mostra mais abrangente ao tema, abordando assuntos mais específicos ao condomínio de multipropriedade. Assim, vale mencionar o art. 1 do projeto:

Art. 1º A multipropriedade ou propriedade fracionada ou fracionária constitui-se em relação jurídica que traduz o aproveitamento econômico de uma coisa, móvel ou imóvel, em unidades fixas de tempo, visando à utilização exclusiva de seu titular, cada qual a seu turno, ao longo das frações temporais que se sucedem.

 

§ 1º O condomínio geral e voluntário ou o condomínio edilício pode ser instituído em regime de multipropriedade em relação à parte ou à totalidade de suas unidades autônomas, também chamada de propriedade fracionária ou fracionada por período de tempo, destinada ou não a fins de lazer ou de turismo.

 

§ 2º O condomínio edilício poderá se dividir em algumas unidades autônomas sujeitas ao regime da multipropriedade, e outras, não.

 

Neste artigo acima, especialmente no § 2º, chama-se atenção que poderá ser instituído este regime no condômino edilício, o qual poderá se dividir em algumas partes de multipropriedade ou não. O art. 22 em diante disciplina mais afundo sobre a possibilidade ou não deste regime.

 

Caso seja adotado, deverá necessariamente ser ter um administrador profissional. O administrador será mandatário legal de todos os multiproprietários exclusivamente para os atos de gestão ordinária da multipropriedade em relação ao imóvel e respectivos equipamentos e mobiliários, sua manutenção, conservação, melhorias e reformas.

 

Para ter essa possibilidade de regime a convenção do condomínio deverá dispor sobre tal, entretanto, a Lei do senado não dispõe sobre o quórum para aprovação, quem descreve o quórum é a Lei que tramita na Câmara dos Deputados, prevendo a deliberação da maioria absoluta dos condôminos, ou seja, 50 + 1 do total de proprietários.

 

Seguindo no projeto de lei do Senado, o mesmo regulamenta também sobre o pagamento das despesas e o inadimplemento do multiproprietário, nos art. 25 e 26:

 

Art. 25. Cada multiproprietário de uma fração de tempo responde individualmente pelo custeio das obrigações, não havendo solidariedade entre os diversos multiproprietários.

 

Art. 26. O condomínio edilício poderá, na hipótese de inadimplemento do multiproprietário na obrigação de custeio das despesas ordinárias ou extraordinárias, adjudicar, para si e na forma da lei processual civil, a fração de tempo correspondente.

 

I - a fração de tempo do inadimplente passa a integrar de forma obrigatória o pool;

 

II - o inadimplente fica proibido de utilizar o imóvel durante sua fração de tempo até a integral quitação da dívida;

Nota-se que o condomínio edilício terá a prerrogativa adjudicar para si a fração da propriedade daquele condômino inadimplente. Mas há uma grande questão, que pode ser prejudicial, com quantas cotas condominiais o condomínio poderá tomar esta atitude? Ou, com base no direito de propriedade previsto na Constituição, esse não seria um meio mais forçoso de expropriar a fração? Apesar das cotas condominiais serem exceções à impenhorabilidade, acreditamos que este conceito tem que ser revisto, pois, há outros meios de cobrar a inadimplência sem tirar o direito de propriedade.

 

Outra questão é a proibição de utilizar o imóvel até a integral quitação da dívida. Este é um problema também, pois, esta proibição é muito severa, podendo ferir a honra subjetiva do individuo, como também poderia caracterizar cobrança vexatória.

 

Além do mais, o condomínio edilício deverá ter o controle, com ajuda do administrador, do pagamento, do cumprimento das normas internas, de todos aqueles condôminos que têm fração na unidade. Teria que ter uma gestão eficiente nesses cuidados.

 

De acordo com o projeto, o regimento interno deverá constar também as condições e regras para uso das áreas comuns, a indicação do número máximo de pessoas que podem se alojar por imóvel a cada fração de tempo, - a indicação dos dias e horas de início e término de cada fração de tempo, entre várias outras.

 

Nestas regras que citamos, o condomínio edilício de regime multipropriedade parcial, deverá adotar um regimento interno especial para estes condôminos que adotam o regime.

 

Este artigo é um pequeno reflexo da evolução do Direito, especialmente no direito de propriedade e seu impacto no condomínio, o Projeto de Lei ainda é novo para mais aprofundamentos, o qual visa garantir sobre tudo uma segurança jurídica para o condomínio de multipropriedade, mas além de tudo o tema ainda precisa ser abordado/estudado visando o impacto que poderá trazer nos condomínios edilícios.

 

*Miguel Zaim é doutor em Ciências Jurídicas e Sociais, especialista em Direito Imobiliário, Direito e Processo Penal, Direito e Processo Civil, Direito Constitucional, Direito Tributário e Direito Ambiental, presidente da Comissão de Direito Condominial da OAB-MT