A única credencial que o economista Roberto Campos Neto parecia ter para o cargo no momento em que o ministro da Economia Paulo Guedes o convidou para ocupar a presidência do Banco Central era sua origem familiar.
Descendente de uma das principais referências do liberalismo brasileiro, o ex-ministro do Planejamento Roberto de Oliveira Campos — que foi um dos criadores do BC, em 1965, no governo Castello Branco — ele não integrava nenhum dos três círculos de onde costumam sair os presidentes da autoridade monetária.
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O primeiro círculo é dos acadêmicos de destaque — do qual faziam parte Pérsio Arida, Armínio Fraga e Gustavo Franco.
Outro grupo é o dos funcionários de carreira que se credenciam para o posto após de assumir posições relevantes na própria instituição. Gustavo Loyola e Alexandre Tombini faziam parte desse grupo.
Finalmente, há o time dos que constroem carreiras vistosas no mundo dos bancos privados , como Henrique Meirelles, que foi presidente mundial do BankBoston, e Ilan Goldfajn, ex-economista-chefe do Itaú-Unibanco.
Roberto Campos Neto, que se formou e fez mestrado em economia pela Universidade da Califórnia, nunca tinha pertencido a esses grupos. Durante os18 anos em que trabalhou no Santander e sua experiência de maior projeção foi o comando da área internacional de renda fixa do banco.
Pode parecer pouco para muita gente. Para o BC, no entanto, a capacidade de pensar com a cabeça do mercado tem sido fundamental para o sucesso de um movimento silencioso que tem sido a redução gradativa da taxa de juros.
Quebra de paradigma
A despeito de ter sido recebido com desconfiança pelos que não consideravam seu currículo à altura da importância do cargo para o qual foi chamado, Campos Neto está fazendo algo que seus antecessores de currículos mais celebrados não quiseram ou não conseguiram por em prática.
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Ao jogar a taxa básica de juros do Brasil para o patamar mais baixo da história, Campos Neto — que, como presidente do BC, também preside o Comitê de Política Monetária, responsável pro fixar a taxa Selic — desafiou um paradigma que sempre foi tratado como uma espécie de vaca sagrada pelos economistas que estiveram na mesma cadeira que ele ocupa.
Na verdade, talvez nem se tratasse de seguir um paradigma ao pé da letra, mas apenas do receio de testar os limites de uma regra básica dos manuais de política monetária.
De acordo com a visão de todas as administrações que o BC teve depois do Plano Real, jogar a taxa de juros para baixo estimularia o consumo, pressionaria os preços e colocaria a inflação nas alturas.
Ninguém jamais se preocupou em testar o limite inferior da taxa de juros e, a partir da reação, administrá-la em benefício do governo. O movimento contrário — ou seja, puxar os juros para o alto para conter o mercado —, porém, sempre foi uma ferramenta utilizada sem parcimônia pelos presidentes do BC.
Lucro sem risco
Em março de 1999, em meio à crise de confiança que se seguiu à quebra da âncora cambial adotada pelo governo de Fernando Henrique Cardoso, a Selic bateu em inacreditáveis 45% ao ano.
Passou a cair gradativamente, bateu em 22%, mas voltou aos 25% diante da reação do mercado à primeira eleição de Luiz Inácio Lula da Silva. A situação se acalmou, o país cresceu, a Selic encolheu e, quando Dilma Rousseff tomou posse, estava em 8,75%.
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Diante do soluço inflacionário provocado pela condução desastrosa da economia no período de Dilma, ela voltou a subir e estava em 14,25% ao ano quando o impeachment da presidente deu o cargo a Michel Temer.
Começou, ali, uma redução gradativa da taxa, que caiu gradativamente até se estabilizar nos 6,5% que Bolsonaro recebeu de Temer. No segundo semestre deste ano, a taxa voltou a cair e tudo indica que a intenção do governo é mantê-la baixa.
Essa política tem duas consequências simultâneas e de efeito igualmente positivo para o mercado e para as contas públicas.
O primeiro, como já foi dito recentemente neste espaço mas não custa repetir, desestimula os investimentos em títulos do governo — uma aplicação segura, que dava aos donos do dinheiro a segurança de rendimentos que, historicamente, sempre se mantiveram bem acima da inflação sem que o capital aplicado fosse submetido a qualquer tipo de risco.
Efeitos positivos
A taxa de juros atual, que está em 4,5% ao ano, equivale a apenas 10% daquela que o BC, à época presidido por Armínio Fraga adotou 20 anos atrás. É, numa outra linha de comparação, apenas um terço da Selic que Dilma legou a Temer, cerca de três anos atrás.
Com isso, as pessoas que detém capital se sentem estimuladas a coloca-lo em investimentos produtivos — que ajudam a acelerar a economia e a gerar os empregos de que o Brasil necessita.
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De acordo com o Caged, o cadastro de emprego e desemprego da Secretaria de Trabalho do Ministério da Economia, o país terminará 2019 com cerca de 1 milhão de empregos a mais do que começou.
Só em novembro, foram criadas 100 mil novas vagas . É pouco diante das necessidades do país. Mas para uma sociedade que, nos últimos anos, se habituou a receber más notícias nessa área, não deixa de ser alentador.
Outros dados positivos podem, assim como a redução do desemprego , à entrada na economia do dinheiro que antes era mantido na ciranda financeira.
Parte da elevação do Ibovespa , que alcançou 116 mil pontos neste 26 de dezembro de 2019, se explica pelo movimento de pessoas que deixaram de ajudar o governo a rolar sua dívida e foram buscar rentabilidade no mercado de ações.
Mais do que a Previdência
A outra consequência positiva do corte de juros são os impactos positivos da nova taxa sobre as contas do governo . No ano passado, quando os juros caíram de 7% para 6,5% (patamar em que se mantiveram na maior parte do ano) o governo destinou R$ 365,4 bilhões da arrecadação para pagar juros e resgatar no mercado títulos vencidos de sua dívida.
A queda de um ponto percentual de juros sobre o estoque da dívida interna , que gira na casa de R$ 3,9 trilhões, significa, num cálculo tosco, que não leva em conta os detalhes dessa rolagem e se destina apenas a apresentar uma ordem de grandeza, a necessidade de menos R$ 3,9 bilhões de dinheiro do povo para a rolagem da dívida.
Isso significa, em outras palavras, que a troca de títulos emitidos com as taxas altas do passado por papéis novos, lançados com as taxas mais baixas, significarão para o governo, sem qualquer sacrifício ou desgaste , uma economia que, se não chega aos R$ 800 bilhões que serão economizados em 10 anos com a barulhenta reforma da Previdência, também não pode ser considerado desprezível.
Pode parecer pouco — mas talvez venha daí a reação que o país necessita para voltar a crescer.
Fonte: IG Economia